Saturday, May 23, 2009

Thursday, May 14, 2009

E Morreram Felizes para Sempre (Excerto)


Está quase, quase a chegar. E, enquanto não há mais notícias, deixo aqui um excerto de um dos contos que compõem o livro: A Casa.


"Diziam que não vivia senão do ódio que lhe pulsava nas veias, intenso como o vermelho do sangue que lhe percorria o corpo. Muitos dos que se atravessavam no seu caminho desviavam-se apressadamente, como se do próprio anticristo se tratasse, como se encontrar as trevas impenetráveis que habitavam o seu olhar fosse, por si só, uma temível maldição.
Tinha, por isso, a rua completamente por si, de cada vez que se via forçado a afastar-se da sua casa para satisfazer uma qualquer necessidade. Era assustador ver como as portas se fechavam e as cortinas eram corridas ao mais pequeno sinal da sua passagem, como se se tratasse um monstro que percorria as ruas em busca da sua vítima.
Diziam que todos os demónios do Inferno se curvavam perante a sua presença, que, do interior da antiga e semi-arruinada mansão que habitava, brotavam, durante a noite, gritos capazes de fazer gelar o coração mais insensível, rasgando o monótono entoar de cânticos que invadiam os céus com os seus medonhos rituais.
Mas quem era ele, afinal? O estranho vulto vestido de negro, com um aspecto quase clerical, mas com um rosto demasiado rígido para ser benigno… De onde viera? Tudo o que sabiam a seu respeito era que chegara à velha mansão pouco mais de um mês antes e que a reclamara como posse sua. O restante resultava dos rumores espalhados pela população.
Quantos saberiam, contudo, que sombras o perseguiam, de onde vinham os verdadeiros demónios que o atormentavam? Viam-no, desconhecido, exilado no silêncio fechado que escolhera para habitar e, por isso, julgavam-no malévolo. Viam nas suas vestes negras a marca do derradeiro mal, ao invés do luto cerrado com que escolhera marcar a sua vida. Que sabiam eles de si, afinal? Não sabiam nada!A verdade, contudo, aquela distante verdade que o povo daquela aldeia recôndita se recusava sequer a imaginar, é que era de si próprio que aquele homem fugia, do passado que o marcara com o estigma da impureza, ainda que nada tivesse feito para o merecer, e que o perseguira até ali, de regresso ao local onde tudo começara."

Saturday, May 09, 2009

Casa de Memórias

Como um livro de sonhos destroçados
Composto nas insígnias da traição,
A minha casa é voz de escuridão
Por entre silêncios amordaçados.

Negros fantasmas de tempos passados
Assombram a alma do meu coração
E, onde a magia se faz solidão,
Ganham vida os dias abandonados.

Como uma sombra perdida na história,
Minha casa é de sonho e de memória,
Soturna essência de ilusões sem cor.

E apenas no silêncio que senti
Se prendem os sonhos que descobri
Por entre as negras memórias da dor.

Monday, May 04, 2009

Pluralidade

Murmura no meu sangue a princesa de olhos de corvo,
Negra como a noite que adormece o sono eterno
E baila sobre as cinzas do túmulo de ninguém,
Mas também a terna rainha do amanhecer
Estende os meus braços à luz que atravessa o dia
E renasce aurora no orvalho de uma flor.
Tenho na voz a revolta da tempestade,
O murmúrio dos ventos que revolvem as areias do deserto
E a chuva que fustiga as velas das velhas naus,
Mas também o dócil calor de um sol adormecido
Na calma outonal dos dias que movem a procissão dos corpos.
Sou profetisa de todo um destino clarividente
E cega justiça derrubada num mundo de iniquidade,
E, sendo pó de estrelas na multiplicidade de mim,
Sou o nada oculto sob os excertos de um todo.