Friday, April 27, 2012

Renúncia (I)


Longe da vida vã, do amor magoado
E do eterno silêncio de meus dias,
Renuncio ao meu sonho destroçado
E à memória das minhas fantasias.

Renego a sombra das horas vazias
E a escuridão do um mundo quebrado,
Pois nada me prende às lembranças frias
De uma alma abandonada no passado.

Perdida da memória abandonada
Que criou meus sonhos de alma quebrada,
Rejeito até a mão da eternidade.

Não voltarei a ter vida ou vontade,
Pois, negada a minha própria verdade,
Deixei de ser solidão para ser nada…

Friday, April 20, 2012

Execução


Ela veio, serena e decidida,
Vencida
Pelo desejo de vingança.
Dentro de si, uma negra ânsia pulsava.
O seu coração clamava
Pelo sangue de quem lhe roubara a esperança.
Os seus olhos eram como o gelo, frios,
Vazios
De sentimento ou de piedade.
Não há misericórdia em peito morto,
Nem conforto,
Mas apenas a sua negra necessidade.

Ela surgiu, sinistra e tenebrosa,
Majestosa,
Como a imagem de um anjo exterminador,
Envolta em vestes de um negro soturno,
Nocturno,
Como o silêncio que envolvera a sua dor.
Em seus lábios, um sorriso cruel
Marcava o ódio fiel
Que a acompanhava,
Negro como a missão da sua alma torturada,
Que, nas sombras do nada,
Pelo julgamento supremo esperava.

Soturna e indiferente, de alma morta,
Atravessou a porta
Da negra prisão onde aguardava
A abjecta criatura responsável
Pela dor interminável
Que, há eras infinitas, a atormentava.
A passos lentos, fria e indiferente,
Surgiu, solenemente,
Perante o réu do seu negro julgamento
E, num sorriso de sádico prazer,
Viu-o tremer
Ante a iminência do último momento.

Ela avançou para o seu corpo acorrentado,
Pelo medo amordaçado,
Fraco e imóvel ante a sua vontade.
Sentiu a intensidade do seu medo
E, em segredo,
Amou esse instante de liberdade.
Num gesto violento e revoltado,
Ergueu o rosto quebrado
Cujos olhos a fitavam com temor.
Sentia que o seu corpo tremia
E que esse estranho prazer diminuía
O fantasma da sua própria dor.

Em sádica provocação,
Guiada mais por prazer que por razão,
Aproximou-se do rosto vencido
E, sentindo nele um temeroso desejo,
Selou com um beijo
O seu destino há muito decidido.
Depois, ante o espanto perturbado
Do condenado,
Ela sorriu com sádica expressão,
E, frio como o ódio que a dominava,
Subitamente, um punhal brilhava,
Na sua mão.

Ela sentiu o medo incontrolável,
Interminável,
Da sua vítima há muito escolhida
E um sinistro sorriso demonstrava,
Enquanto observava
A criatura que implorava pela vida.
Depois, num gesto imperioso,
Majestoso,
Silêncio ao seu prisioneiro ordenou
E, olhando nos seus olhos assustados,
Pelo pavor subjugados,
Deixou cair a máscara e falou.

“Pensavas que podias enganar-me
E abandonar-me,
Para depois escapar com impunidade?
Julgaste que eu jamais descobriria
A fantasia
Que me contaste como a mais pura verdade?
Acreditaste que podias iludir-me
E depois trair-me,
Deixando apenas o silêncio em mim,
Mas não! Estavas errado
E és tu, hoje, quem está condenado
Ao mais sinistro fim.”

Ela aproximou-se, enquanto proferia
A sentença sombria
Que destinara à abjecta criatura
Que, face ao medo da dor, da agonia,
Implorava à mulher de pedra fria
Que o poupasse à tortura.
Ela, contudo, fria e indiferente,
Deu um único passo em frente
E sussurrou, ao ouvido do réu:
“ Quero que sofras. Não terei piedade.
Também não a tiveste, na verdade.
Não tens fuga. És meu…”

Num gesto lento, sádico, cuidado,
Ela tocou o rosto perturbado
Daquele que marcara para morrer
E, enquanto sentia a sua agonia,
Sorria,
Preparada para o que decidira fazer.
Subitamente, onde a mão repousara,
O punhal passara,
Deixando um rasto de sangue e de dor,
E ele, sem saber o que sentia,
Gritava de agonia
E puro horror.

Ela sorriu e um riso tenebroso,
Misterioso,
Ecoou no silêncio do lugar.
Depois, num gesto de doce loucura,
Bebeu, qual seiva escura,
O sangue que corria sem parar.
“Meu, até à última gota…”, sussurrava,
Enquanto olhava
O trémulo corpo do prisioneiro,
Que, antecipando uma terrível agonia,
Em silêncio, pedia
À vida que o fizesse morrer primeiro.

Um após outro, frios, premeditados,
Traços marcados
A sangue surgiam no corpo agonizante
Daquele a quem ela entregara a vida,
Para ser traída
Pelo homem que escolhera como amante.
Uma após outra, as horas decorreram,
Mas não esmoreceram
Os gritos da tortura infernal,
Até que, satisfeita, extasiada,
Ela fitou a massa destroçada
Que restava do corpo do mortal.

Ela observou-o, qual deusa indiferente,
E, como um sorriso ausente,
Fitou o seu rosto desfigurado,
Onde corriam lágrimas dolorosas,
Tenebrosas,
Marcas de uma dor sem termo marcado.
“ Não o mereces”, disse, impiedosa
Como uma estátua silenciosa,
“Mas decidi que vou mostrar clemência.
Diz as tuas últimas preces,
Mas se os deuses te derem o que mereces,
Não encontrarás paz na inconsciência.”

Por um momento, um silêncio sombrio,
Sinistro e frio,
Desceu entre a mulher e o condenado,
Que, olhando a sua sádica executora,
Via que a sua hora
Havia, inevitavelmente, chegado.
Depois, num gesto rápido e preciso,
Nada indeciso,
O último golpe do punhal desceu,
Atravessando o peito torturado
Do condenado
Que, num último gemido, morreu.

Ela sorriu, sinistra e tenebrosa,
Misteriosa
Como a noite de imensa escuridão,
Sabendo que esse corpo destruído
Talvez pudesse ter vivido
Se lhe tivesse pedido perdão.
E eis que parte, majestosa e serena,
Sem pena,
Remorso ou qualquer outro sentimento.
Fica para trás a sua história morta.
Há uma nova vida à sua porta,
Um novo futuro… Um novo momento.

Friday, April 13, 2012

Vermelho (II)


Envolvo-me
Entre vultos e cadáveres de passagem,
Mais um corpo
Entre a lascívia dos mortos.

Fez-se orgia de sombra e tempestade
A noite que vela os sentidos,
Preenchendo o espaço
Na aurora de um extático fulgor,
Onde também eu sou corpo desumanizado
A quem o delírio tornou humano.

E os meus sentidos serpenteiam,
Leves,
Na etérea luxúria do ser ninguém,
Como aves feitas de espadas sem rumo
Rasgando os céus
Em fulgurante majestade,
E enrosco-me na trama dos dias,
Suave abraço de soturno amante,
Meu prisioneiro
De sinistra morte sentida em mim.

Penetra-me o pulsar das sensações
Como uma fúria sem voz
Aprisionada nos abismos do meu grito
E o corpo arde em delírios
De insuportável possessão,
Quase como o sangue que jorra
Mais forte
Que todos os ecos que enchem o céu.

Por isso,
Deixo-me tocar
Pelas perversas mãos dos anjos do destino
E envolvo-me nos sons
De uma vida que é já morte,
Na sua lasciva contemplação de corpos,
Mas que,
Como futuro ainda por construir,
Preenche com todas as luzes
A negra noite universal do corpo intacto
Que era meu,
Mas que morreu.

Enrosco-me entre fantasias
E delirantes êxtases de ser,
Mas, no silêncio da soturna infinitude,
Nunca se apaga
O eu do que perdi.