Para ti, que ousaste ter asas de fogo e voar até ao rubro sol da inspiração. Que semeaste universos com o ânimo de uma alma erguida ao alto e as mãos manchadas com uma tinta feita do teu próprio sangue. A ti, cujos sonhos o mundo desfez – se sonhos te atreveste a ter – e cuja inspiração desfaleceu nas correntes de uma palavra cruel. Tu que esperaste, mas que nunca acreditaste. Que quiseste, mas que nunca conseguiste… Esta é a tua última história.
No princípio eras tu e não querias muito. Bastava-te um lugar, um olhar atento ao que de ti tinhas para partilhar. Querias somente ser. Ser a voz dos mil mundos que te habitavam, de outras vidas tão longínquas, mas tão tuas… Nasceste para o imaginário com um olhar abrangendo tudo o que querias contar. Mas as portas estavam fechadas e o mundo – o teu mundo – não sabia ser teu.
Esqueceste, então, e seguiste pelo traçado de outros sonhos. Tudo falhou, mas tinhas ainda a força para voltar a tentar. Alimentava-te a esperança de ser, um dia, algo mais, mais que o fantasma de um ideal quebrado, mais que a luta vencida que todos rasgam, mas ninguém vê.
Por mil anos de silêncios andaste por um mundo teu a que não pertencias. E, um dia, a luz da palavra nasceu. Um incentivo só bastou para te iluminar de esperança. Alguém via através das tuas sombras. Ainda estavas lá. Ousaste, então, sonhar mais uma vez e as almas que viviam dentro da tua desabrocharam em cantos e caminhos, aventuras e sonhos que eram, ainda e sempre, tu. Mais uma vez, ousaste ser perante o mundo. Mas o castigo não se fez esperar.
Mãos erguidas clamaram pelo teu sangue. Ferozes gritos exigiram o teu silêncio. E tu, frágil reflexo de uma esperança, tentaste aguentar de pé os golpes com que te feriam, manter a tua voz aberta ao mundo. Mas não tinhas a força necessária – nunca a tiveste. Sangravas o sangue que te exigiam, mas, enquanto esperavas que parasse, já o silêncio se instalava em ti. Também tu conhecias o fracasso. Sabias não haver mais por que lutar.
Voltaste, enfim, as costas a esse mundo onde o silêncio não bastava para sobreviver. Partiste, ciente de que abandonavas a melhor parte de ti, mas incapaz de continuar de pé ante feridas mortais. Longe era o teu lugar, longe de tudo… Só na renúncia poderias prosseguir. Da torre do sonho afastaste os teus passos para receber o beijo do fracasso. E morreste, por fim, para tudo o que te definia.
Hoje, és o nada que sopra nos ventos do adeus, a despedida que nunca dissemos. A história jaz por terra e nós com ela. Fica-nos só o silêncio que aceitámos como mortalha para os desígnios do que fomos. O vazio. O abismo que em nós dilata pensamentos e murmura histórias que nunca poderemos partilhar. Hoje é isto que somos à luz da vida. E a vida… já não mora dentro de nós.
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