Friday, April 20, 2012

Execução


Ela veio, serena e decidida,
Vencida
Pelo desejo de vingança.
Dentro de si, uma negra ânsia pulsava.
O seu coração clamava
Pelo sangue de quem lhe roubara a esperança.
Os seus olhos eram como o gelo, frios,
Vazios
De sentimento ou de piedade.
Não há misericórdia em peito morto,
Nem conforto,
Mas apenas a sua negra necessidade.

Ela surgiu, sinistra e tenebrosa,
Majestosa,
Como a imagem de um anjo exterminador,
Envolta em vestes de um negro soturno,
Nocturno,
Como o silêncio que envolvera a sua dor.
Em seus lábios, um sorriso cruel
Marcava o ódio fiel
Que a acompanhava,
Negro como a missão da sua alma torturada,
Que, nas sombras do nada,
Pelo julgamento supremo esperava.

Soturna e indiferente, de alma morta,
Atravessou a porta
Da negra prisão onde aguardava
A abjecta criatura responsável
Pela dor interminável
Que, há eras infinitas, a atormentava.
A passos lentos, fria e indiferente,
Surgiu, solenemente,
Perante o réu do seu negro julgamento
E, num sorriso de sádico prazer,
Viu-o tremer
Ante a iminência do último momento.

Ela avançou para o seu corpo acorrentado,
Pelo medo amordaçado,
Fraco e imóvel ante a sua vontade.
Sentiu a intensidade do seu medo
E, em segredo,
Amou esse instante de liberdade.
Num gesto violento e revoltado,
Ergueu o rosto quebrado
Cujos olhos a fitavam com temor.
Sentia que o seu corpo tremia
E que esse estranho prazer diminuía
O fantasma da sua própria dor.

Em sádica provocação,
Guiada mais por prazer que por razão,
Aproximou-se do rosto vencido
E, sentindo nele um temeroso desejo,
Selou com um beijo
O seu destino há muito decidido.
Depois, ante o espanto perturbado
Do condenado,
Ela sorriu com sádica expressão,
E, frio como o ódio que a dominava,
Subitamente, um punhal brilhava,
Na sua mão.

Ela sentiu o medo incontrolável,
Interminável,
Da sua vítima há muito escolhida
E um sinistro sorriso demonstrava,
Enquanto observava
A criatura que implorava pela vida.
Depois, num gesto imperioso,
Majestoso,
Silêncio ao seu prisioneiro ordenou
E, olhando nos seus olhos assustados,
Pelo pavor subjugados,
Deixou cair a máscara e falou.

“Pensavas que podias enganar-me
E abandonar-me,
Para depois escapar com impunidade?
Julgaste que eu jamais descobriria
A fantasia
Que me contaste como a mais pura verdade?
Acreditaste que podias iludir-me
E depois trair-me,
Deixando apenas o silêncio em mim,
Mas não! Estavas errado
E és tu, hoje, quem está condenado
Ao mais sinistro fim.”

Ela aproximou-se, enquanto proferia
A sentença sombria
Que destinara à abjecta criatura
Que, face ao medo da dor, da agonia,
Implorava à mulher de pedra fria
Que o poupasse à tortura.
Ela, contudo, fria e indiferente,
Deu um único passo em frente
E sussurrou, ao ouvido do réu:
“ Quero que sofras. Não terei piedade.
Também não a tiveste, na verdade.
Não tens fuga. És meu…”

Num gesto lento, sádico, cuidado,
Ela tocou o rosto perturbado
Daquele que marcara para morrer
E, enquanto sentia a sua agonia,
Sorria,
Preparada para o que decidira fazer.
Subitamente, onde a mão repousara,
O punhal passara,
Deixando um rasto de sangue e de dor,
E ele, sem saber o que sentia,
Gritava de agonia
E puro horror.

Ela sorriu e um riso tenebroso,
Misterioso,
Ecoou no silêncio do lugar.
Depois, num gesto de doce loucura,
Bebeu, qual seiva escura,
O sangue que corria sem parar.
“Meu, até à última gota…”, sussurrava,
Enquanto olhava
O trémulo corpo do prisioneiro,
Que, antecipando uma terrível agonia,
Em silêncio, pedia
À vida que o fizesse morrer primeiro.

Um após outro, frios, premeditados,
Traços marcados
A sangue surgiam no corpo agonizante
Daquele a quem ela entregara a vida,
Para ser traída
Pelo homem que escolhera como amante.
Uma após outra, as horas decorreram,
Mas não esmoreceram
Os gritos da tortura infernal,
Até que, satisfeita, extasiada,
Ela fitou a massa destroçada
Que restava do corpo do mortal.

Ela observou-o, qual deusa indiferente,
E, como um sorriso ausente,
Fitou o seu rosto desfigurado,
Onde corriam lágrimas dolorosas,
Tenebrosas,
Marcas de uma dor sem termo marcado.
“ Não o mereces”, disse, impiedosa
Como uma estátua silenciosa,
“Mas decidi que vou mostrar clemência.
Diz as tuas últimas preces,
Mas se os deuses te derem o que mereces,
Não encontrarás paz na inconsciência.”

Por um momento, um silêncio sombrio,
Sinistro e frio,
Desceu entre a mulher e o condenado,
Que, olhando a sua sádica executora,
Via que a sua hora
Havia, inevitavelmente, chegado.
Depois, num gesto rápido e preciso,
Nada indeciso,
O último golpe do punhal desceu,
Atravessando o peito torturado
Do condenado
Que, num último gemido, morreu.

Ela sorriu, sinistra e tenebrosa,
Misteriosa
Como a noite de imensa escuridão,
Sabendo que esse corpo destruído
Talvez pudesse ter vivido
Se lhe tivesse pedido perdão.
E eis que parte, majestosa e serena,
Sem pena,
Remorso ou qualquer outro sentimento.
Fica para trás a sua história morta.
Há uma nova vida à sua porta,
Um novo futuro… Um novo momento.

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