Friday, July 31, 2009

Sinfonia para Orquestras Destroçadas

Fúnebres gemidos de violino amordaçado
De arco traçado em cruz
Sobre o silêncio difuso dos gritos irracionais,
Do manto que rasga os céus na conflagração da orquestra
Onde o coro dos malditos
Entoa a demoníaca ópera da hecatombe.

Trompas de guerra invadem a garganta das árvores
Ao compasso do ribombar da tempestade,
Bailando entre fantasias de um relâmpago confuso
Tecendo labirintos na negrura do papiro
Onde o criador arquitecta os sussurros da discórdia.

Soluçar de marés lançadas contra a coluna do suplício
Onde repousam os esqueletos fustigados
Do corpo que se dispersa entre as ruínas do navio,
Compondo nas mãos que convulsionam sobre o leme,
Dedos de fumo dispersos na rubra aurora,
O feérico canto das muralhas destroçadas
Ao som da sinfonia crepuscular.

Tuesday, July 28, 2009

Quinteto de Neve

1.

Ela chorava sobre as pedras da renúncia,
Como um silêncio em cor de alvura e de ilusão,
E tinha olhos de gelo, como pingentes na manhã
Que nascia da penumbra de um céu velado de cinza.
Tinha olhos de sinfonia na mais negra aurora dos séculos,
De vinte e dois de Dezembro sobre a janela da neve,
Quando o templo proclamava orações na sua pele
E eras de renascimento para o Natal dos exilados.

Ela dormia nos braços de um espantalho embranquecido
Como quem chora nas trevas de os corvos partiram
E era neve sobre as arcadas da catedral solitária
Na convulsão do silêncio que era o lago sepultado
No silêncio desenhado sob as horas do seu corpo,
A alvura da eternidade cantando a uma só voz.

2.

Olha para trás.
Eu sou o silêncio das brumas por onde olhas e não vês,
A neve que cobre a terra virgem de onde nasceste
E onde adormeceste nos braços da hecatombe.
Sou a morada da tua derivação inversa,
A dispersão dos teus olhos que se fundiram na chuva
Para chorar dentro de mim
E morrer na natureza do raio primordial.

Não fujas mais.
Eu estou no abismo do silêncio onde te precipitas,
Empurrado pelo sopro da tempestade invernal,
Como um berço capaz de embalar o furacão dos séculos,
A acção que se prende no desabafo da tua voz,
O teu sussurro de Fevereiro morto
No desalento de um barco ancorado no gelo eterno.

3.

O tempo morreu
E as asas da esfera celeste desfaleceram na cruz
Como um sussurro de Inverno por terras de deserdados,
Exílio de eterna neve.
Traz o silêncio pingentes no rosto azul
Das memórias afogadas no ribeiro do vazio
E a noite dorme nos ecos da penumbra boreal
Onde o sangue das horas silenciadas
Derrama sobre a memória o reverso de outras horas.

A noite fugiu
E o sol apagou-se entre eclipses de névoa e de lua,
Ardente fantasma exilado nos braços da noite eterna,
Estátua de desolação
Aberta ao voo das harpias dormentes no amanhecer
De uma espada denegrida sob os ecos de ninguém.

4.

Se eu fosse a neve que cobre o teu corpo
E embala as tuas asas entorpecidas no silêncio sepulcral,
A catedral que te acolhe como cripta consagrada
No Inverno das memórias eternamente desfalecidas…
Se eu te pudesse cantar o sopro da imortalidade
Na eternidade que agoniza no grito dos moribundos
E abrir à torrente das chuvas a quimera do teu corpo
Para te lavar das entranhas o sangue que derramei…

Ah! Se eu fosse a miragem que se esconde no deserto
Da brancura que reflecte os abismos do teu olhar,
E a quimera que contempla a esfinge do labirinto
Onde nenhum sacramento poderia renascer…
Se eu fosse o raio divino na prole dos ressuscitados
E a cruz do sangue que dorme na solidão das montanhas
Onde o Inverno se prende ao desafio da tua voz…

Onde estaria, então, a redenção da tua imagem,
A estátua do teu exílio plantada na suave lápide
Que é branca como o nada do infinito
E cega como nós?

5.

Eu vou voar no segredo da quimera ausente
E ser tempestade no abismo da chuva que cai,
Lavar as lágrimas que sangraram o rosto do pesadelo
E espalhar a catarse sobre os corpos da morte eterna.
Serei a cruz da mão que morde o desalento
E a neve que embala o berço dos anjos adormecidos,
A maré do sol eternamente adormecido sob a bruma
E a razão do amanhecer no crepúsculo imortal.

Eu vou erguer no ventre a catedral do eclipse
E dar às trevas a prole da resignação
Como braços de árvores nuas no Natal dos condenados
Estendidos ao além do céu que se nega ao nada.
E então serei a justiça liberta dos desertos,
O secreto Inverno de cada apocalipse
Erguido no chamamento de todos os cavaleiros
E renascido na solitária estrada do peregrino
Que se esgota sobre a neve dos vencidos
E morre no vazio dentro de mim.