Wednesday, December 23, 2009

Saturday, November 21, 2009

Prisão de Vidro

Entrelaçam-se como dedos de gelo envolvendo a pele fria,
No aço como na neve
Que prende as quimeras por dentro de um véu desperto.
São sonhos de olhares fragmentados para lá da loucura,
Miragens fitando o absurdo
Como sombras divagando nos focos dentro das chamas
Iridescentes de um candelabro de cristal.

Ela não vê,
Não sente senão silêncios espalhados sob a mordaça
Que lhe desponta na voz,
Reflexos que se entretecem no seu cárcere espectral
Onde as paredes são vidros que sangram a carne virgem
E esta princesa de impérios desvanecidos,
A imperatriz que banha os lábios no veludo do sangue derramado
Não sabe senão dos mortos dormentes sobre o seu ventre
E do arco-íris que nunca deixou nascer.

Cravam-se na pele as lâminas do gelo,
Divagações de silêncio sob um rosto de traços moribundos,
Desvanecidos pela erosão dos séculos
E o olhar da sentinela é um gemido estrangulado,
Um nome multiplicado sobre o coração das trevas,
Trova de auroras devoradas pela persistência da noite
E ateadas como cinzas no rosto dos vagabundos.

E ela chora,
Destronada senhora de fantasmas e de esfinges,
Plantando mãos no vidro embaciado
Do féretro da sua luz.

Friday, October 30, 2009

As Rosas do Vampiro

Seduz-me
E dilacera as trevas por dentro do mais negro eu
Como no grito de um nómada,
Espinho destilado em pétalas de rosa
Que ecoassem por dentro dos labirintos ancestrais.

Enrosca-se por entre os recessos da minha pele
Como serpente dourada
Plantando esferas na esfinge de um olhar
Gravado a diamante
E adormecido nos caninos do crepúsculo
Como uma asa de anjo em combustão.

Tomba na luz,
Um véu dentro do céu dentro de mim,
Estendendo mastros ao mar do eterno renascimento
Num matrimónio imortal,
Adoração de sinfonias secretas
Plantadas em diáfanos caules de olhares fugitivos
Repousando nos braços do trono do deus.

Embala-me
E a podridão dos sentidos dispersa em rosas de sangue,
Veludo de nós entretecidos em gestos de corvo,
Alimentados de mim.

Saturday, October 17, 2009

Borboleta de Cristal

Sei que não sou ninguém
E que o silêncio que paira nas asas da minha missão
É somente um fragmento de vidro no diáfano
Que contempla as cintilações do ser.

Crisálida dispersa no coração de um crepúsculo estéril,
Sei que sou feita de nada e de vazio
E o rubro cristal que alimenta os meus olhos
Com o gesto das marés que fustigam a minha costa
Não é mais que o farfalhar das folhas sob o meu torso
De borboleta mutilada.

Sei que não tenho brasão
E que o meu estandarte é o eco do sonho sepultado
Por dentro dos labirintos do corvo
E a mão que me abraça é também o amplexo da névoa
Que me estrangula em dedos de penumbra.

Sei que não sou ninguém…
Mas tenho em mim a trindade dos anjos exilados,
A malícia que desabrocha no olhar dos condenados
E o conflito da renúncia a uma nobreza morta
Para me abrir os portões da última muralha
E entrar num grito aos céus do infinito
Pela estrada da morte que se enrosca nos meus braços.

Wednesday, October 07, 2009

Os Violinos do Absurdo

Como um traço de sinfonia,
Uma miragem pairando sobre o vazio
Entre marés de cor,
Estendem-se os braços da arcada suprema
E a catedral dos corpos é o instrumento
Do desvanecido absurdo dos abismos.

Como dedos de bruma pisando as cordas do absurdo,
Erguem-se do caldeirão dos mistérios
Os efémeros fumos de um etéreo toque,
Tacteando quimeras entre as paredes do vácuo
Como um cego procurando a espada da escuridão.

Solta-se de um lamento na contemplação do adeus
Uma nota arrancada em convulsão
Ao corpo da madeira que modela a sinfonia
Em melodias de contemplação
E o sussurro do real invade as mãos do fantástico
Como uma essência cantando louvores de crepúsculo
A um beijo que desfalece nas aras mistificadas
De um violino que goteja as lágrimas exiladas.

Wednesday, September 30, 2009

Clausura

I.

Um tecido que rasga a voz na pele do inverso
Pendente da escuridão
Onde a mão tacteia o verso que sublima a potestade.
Dedos que buscam cavernas nas paredes da prisão,
Da sulfurosa clausura de Invernos que se entretecem
Mais além que o tempo rasgado sob o tecto dos abismos,
Mais longe que todos os céus
Do infinito fragmentado na esfinge dos oceanos.

Um véu tocando os desertos com lábios de espuma,
Segredos que se dilatam no sussurro das sereias,
E uns olhos perdidos nas ameias da torre escarlate,
Lanternas de prisioneira fitando véus de quimera
Como quem sacia o fogo na sede do despertar.

Um grito que mancha as mãos do absurdo desvanecido
Onde o estandarte rasgado agita espectros no ar
E uma gota de rubor nas entranhas do silêncio
Que dorme nos campos da peste
Como um hino de falésias dissipadas sob a sombra
Do vácuo disseminado na epidemia dos céus.

II.

Esta é a mais longa viagem da minha casa.

O templo dorme nos meus dedos como um tempo inacabado
Dançando na névoa que cobre as teclas do meu piano
E há um violino que chora no absurdo dos meus sentidos
Como um quimérico soluço do absurdo que morre em mim.

A noite que me contempla da estátua perdida
Onde morri sem saber…

No alto, a cruz dos condenados contempla as chagas do abismo
Que o vácuo gravou no meu corpo,
Catedral do fatídico desvanecimento
Que flutua como uma voz na mente da fantasia,
Fantasmagoria de ecos plantados sob a miragem
Que chove sobre as janelas do meu lar apodrecido.

A ruína que se desvanece
Na podridão que profana os véus do meu coração morto.

E eu sou,
Eu sei o segredo dos silêncios que anunciam a mensagem
E a treva dilata os corpos que se agitam no meu sangue
Em exaltação ao cálice da loucura inexorável
E à consagração da morte imortal.

Janelas que fustigam o silêncio das minhas horas,
Pêndulos de escuridão.

III.

São grades sobre o seu corpo,
Tecidos de rede envolvendo o tule da janela azul
E a pedra que lhe embala a pele é o berço do exílio
Acolhendo o toque do abandono em braços de sangue e veludo.

Céus negros contemplam o espectro da luz invisível
Que irradia dos seus olhos cegos
E não há deuses que observem a convulsão do seu peito,
A agitação que se prende na turbulência do absurdo
Que lhe contempla a loucura entre miragens sem razão.

São mãos que tacteiam os ferros da antiga corrente,
A ligação da clausura que se eterniza entre cores e sons
Como palavras apagadas na trindade sublimada
Da mente que se dispersa na loucura inconsciente,
O coração que se debate na jaula da escuridão
E alma que bate as asas contra as paredes do vácuo.

E apenas o sussurro do nevoeiro
Atravessa os pétreos silêncios da consagração suprema
Fitando como quem chora nos aguaceiros do tempo
A redenção do último prisioneiro.

IV.

Se me levasses
Três vezes mais longe que o tempo por dentro da tua voz
E me cantasses com véus de renúncia
Nas profundezas do ser
Eu ia
Dormir nos confins da tua prisão submersa
E encaixar na pele da pedra adormecida
A relação dos corpos derramados no silêncio de nós.

Se me encontrasses no menir dos deserdados
Como numa palavra destruída na contemplação do absurdo
Eu abriria as portas do precipício
À entrada do teu corpo
Aberto no secreto véu de mil e seiscentos esplendores.

Ah! Se eu tocasse
As pétalas da tua flor de espanto e de rejeição
Como uma suave maré no sangue do imaginário…
Então serias a redenção das minhas horas
E o dobre de completas no teu rosto
Prenderia os meus olhos ao sussurro do teu nome.

V.

Prendem-se os braços do encanto
No silêncio da catedral ensoberbecida
E os sinos dobram pelo anjo derramado
Sobre as pedras do funeral.
Ao longe, o deserto sopra nas arcadas do horizonte
E o cântico dos eleitos jorra sangue nas montanhas
Onde a neve dorme, inversa,
Nos versos das odes primordiais.

Além da noite, divaga
O peregrino das esferas fugitivas,
Carregando sobre os ombros a lápide da prisão,
E o azul dilata as horas da estrela desaparecida,
A que morre no seu corpo atormentado
Sem saber que se adormece
Nos braços da sua própria solidão.

VI.

Aquela voz que se calou
Na mordaça perturbada de uma prisão invisível
Onde os corvos agitam a lenda do inalcançável
Era um telhado disperso sobre as marés do impossível,
Um cântico derramado no sangue do inexistente
E um abismo que se elevasse aos cumes dos ancestrais.

Era um deserto sem estrada,
Um nada que replicasse a sua própria concepção
E adormecesse nas trevas de uma aurora fugitiva
Ao crepúsculo dos véus inacabados,
Mas a terra destilava venenos inconcebíveis
Na barreira do inefável sepultado sem saber,
Como quem pinta a dourado a negrura dos abismos
Elevando catedrais na morte do próprio ser.

Thursday, September 03, 2009

Sobre um corpo adormecido

Era apenas mais uma lágrima, como tantas outras que deixara tombar sobre os lençóis que a envolviam. Via-o dormir a seu lado, silencioso no descanso do seu sono, mas sabia que, enquanto partilhasse a sua cama, nunca teria paz no seu coração.
Fitava-o com olhos apaixonados, o espelho de um coração que nunca conheceu amor mais forte que aquele que agora a consumia no seu fogo. E sabia que, se fingisse que nada acontecera, continuaria a senti-lo ali, do seu lado, numa fantasmagoria para a relação que quebrara para além de toda a redenção. Uma relação que, talvez, nunca existira verdadeiramente…
Conhecera-o na aurora da sua juventude e amara-o com todas as suas forças. Dera-lhe o seu corpo imaculado e a pura ingenuidade da sua alma e a vida unira-os como um só durante cinco gloriosos anos.
Mas, depois do apogeu, sempre chega o declínio, e não tardou muito até que o seu idílio de amor se revelasse como um ninho de mentiras e de traições. Confrontara-o com a verdade, mas ele começara por negar e, depois, por professar arrependimento. E, na sua inocência de mulher eternamente apaixonada, ela perdoara-o, apenas para descobrir que, passado pouco tempo, a história se repetia. Uma outra mentira, uma outra mulher, ou talvez a mesma… Mas, ainda assim, o seu coração ferido acreditara nas suas súplicas por perdão e voltara a perdoar, uma, outra e outra vez.
Naquela noite, contudo, ela compreendera, finalmente, que ele nunca mudaria. Vira-o, ainda que ele nunca o viesse a saber, lado a lado com a outra mulher, passeando uma criança pela mão. Ele tinha um filho da outra, algo que ela nunca lhe pudera dar. Como poderia, pois, esperar que ele voltasse a ser só seu?
Não o confrontou com a verdade. Limitou-se a acolhê-lo nos seus ternos braços de mulher devastada e a oferecer-lhe o seu amor e o seu corpo ainda uma outra vez. Agora, contudo, enquanto o via adormecido, ela sabia que a sua decisão estava, finalmente, tomada. Permanecer com ele seria condenar a pouca dignidade que lhe restava e profanar o débil amor que lhe pulsava ainda no peito.
Levantou-se, suavemente, tendo o cuidado de não o despertar. Depois, em silêncio, vestiu-se e deixou o quarto, levando consigo a mala que deixara já preparada durante o dia. Não deixou explicações ou indicações da sua partida. Ele compreenderia os seus motivos. Limitou-se a fechar a porta atrás de si e a sair para a fria noite de Inverno.
Quando chegou ao carro, já não havia lágrimas nos seus olhos. O passo fatal fora dado e não havia regresso atrás. Sentou-se no banco e, por um momento, fechou os olhos, acalmando o que restava das suas emoções. Em seguida, readquirindo o controlo sobre si própria, ligou o carro, engatou a primeira e arrancou, deixando que o rádio desse voz ao que gritava nos seus pensamentos.
“I will always love you.”

Wednesday, September 02, 2009

Máscara

O que se esconde atrás dos teus olhos?
Algures dentro de ti,
Onde o frio se transforma em agonia
E a indiferença se torna solidão,
Um etéreo fio de sombra
Separa a máscara da realidade.
Mas quem és tu, na verdade?
Que fantasmas se escondem no teu olhar?
Quanta dor se esconde no teu desprezo?
Quanta mágoa no teu desprendimento?
Quanto de ti prendeste na tua alma?
Dentro de ti,
Onde o silêncio se torna vazio
E a solidão se transforma em tortura,
Eu vou entrar no teu lugar secreto
E, através da tua ausente amargura,
Vou quebrar a tua máscara vazia,
Salvar-te dos teus próprios demónios
E ver quem verdadeiramente és.

Saturday, August 29, 2009

Os Passos do Destino: um e-book

Saudações.
Este pequeno post serve para fazer alguma auto-promoção (porque também dá jeito). E isto basicamente para dizer que já podem encontrar no link http://www.neolivros.com/index.php?/neo/bem_vindo_a_neolivros_com/os_passos_do_destino o e-book onde eu e a Carina Portugal (também conhecida como Leto of the Crows) juntámos uns quantos contos de fantasia.
Apareçam, explorem, leiam... e digam-nos coisas! :) Nós agradecemos.

Friday, August 28, 2009

Senhores da Noite: um livro e um blogue

O livro que vos quero apresentar ainda não foi publicado... mas será em breve. Por isso, e para já, deixo-vos o espaço a ele dedicado.
Falamos de um livro chamado Senhores da Noite, situado no género da dark fantasy e escrito pela vossa companheira de leituras deste espaço. Para já não há muitas novidades, mas fica já o convite para uma visita. Sempre que haja algo de novo a divulgar, por lá aparecerá.
Espero que apreciem.
Até breve...

Monday, August 24, 2009

Bailado de Espectros

Agitam-se braços na espera,
Como fúnebre aspiração ao abraço do gelo,
Melancolia de todos os destinos por cumprir.

Na curva das constelações que se dilatam,
Olhos de corvos divagam na contemplação das esferas,
Dormindo por dentro do cosmos que se expande
Até à carícia da espada infinita.

Brota a chuva dos lábios da tempestade
E há fantasmas que dançam entre a bruma da tormenta,
Erguendo ao som do nevoeiro o espectral eco das vozes
Que, conflagradas no crepúsculo dos ecos derramados,
Dormem no segredo dos deuses amordaçados.

E há um traço de negro na treva que desfalece
Sob a flamejante espada da aurora que desabrocha,
A absoluta voz do tempo onde dormem os vultos do abismo,
Feérica fusão de todos os deserdados
Cantando numa só voz…

Sunday, August 16, 2009

Fénix Moribunda

Como um rubor de mantos na dispersão do infinito,
Insígnia ensanguentada
Em ombros transportada até ao sudário dos séculos,
A catedral do derradeiro sacrifício.

Desfalecida em torpores de uma indução eternizada,
Anestesia percorrendo os sentidos
Onde uma voz se multiplica em seis imagens por segundo
E seis vidas por século,
Para que, nos seis sentidos dos coléricos oceanos,
Floresçam os seis corpos dos fantasmas imolados.

Rumorejantes asas de espectral incêndio,
Caídas por terra,
Diante do feérico fitar de um etéreo deus corvo,
Uma mão dourada estendida sobre a negrura
Que engole as estrelas derramadas na voz
E planta no tronco decepado a cabeça de um deus.

Como um lamento afagando as ondas da areia,
Catedral de esferas
Abertas em sepulcro para o fogo desfalecido em cinzas,
Espalhado aos ventos das quatro estações
No último grito de uma bênção secreta.

Monday, August 10, 2009

Treze

Tremem os ventos nos varais dos inundados.
A terra está em fogo
E a contemplação nos olhos dos desfalecidos
Parece traçar no sangue derramado
O pesaroso ritmo de treze flagelações.

De um em um, a voz do universo vai cantando
Como um grito na maré
E o corpo mutilado parece desabrochar na cruz,
Qual Fénix dilacerada
Que descesse do rosto que mira por entre as nuvens
A concretização de um crepúsculo deserto.

Prolongados até aos dedos no braço do infinito,
Os números choram cintilações de essência,
Espraiados em convulsivo agarrar de etéreas cordas
Prendendo às mãos do tempo
As pulsações dos sentidos moribundos.

E os corpos dormem sob o flagelo das eras,
Fustigados pelos ramos da vida que incendeia a floresta,
Conflagrar de promessas inundadas sobre o sangue
Que invade a lama com a poeira do crepúsculo.

Sunday, August 02, 2009

Queria Ser de Cinza

Passei todos estes anos enganado. Todos os momentos de sonho, de imaginação e de esperança não foram senão fantasmas destinados a coroar de sangue este momento, o adeus da voz que me dormia no corpo, mas que já não está apenas ausente, mas morta dentro de mim.
Naquele tempo, formavam-se multidões à minha volta, vindos, por vezes, de longe para ouvir as histórias que só eu sabia contar. E eu era a voz de todas as miragens, de um horizonte mais além que todos os mundos, a mais fantástica lenda do reino. Eu que, num reino distante, nascera lorde, sofrera o exílio pelas mãos de um tirano e acabara por me arrastar, sem mais nas mãos que as cinzas da minha imaginação, até às sombras da cidadela onde os mágicos me haviam acolhido.
Mesmo aí, quando eu julgava ter encontrado um novo refúgio, a redenção para os pecados que haviam operado sobre mim, eu não era senão o prenúncio da fatalidade, uma profecia destinada a morrer pelas armas do meu próprio espírito. É que eu sonhava com asas de anjos dispersas pelos céus, mas não sabia que eram mais que os meus vigias silenciosos. Eles tinham vindo para me buscar.
O pânico invadira a cidadela. Não era eu, afinal, o único a ver a figura dos meus carcereiros e, rapidamente, a culpa do estranho fenómeno caíra sobre o único estrangeiro do lugar, o mesmo que, durante tantas noites, eles haviam escutado com devoção, sem saber que não era mais que um condenado dos céus. Entregaram-me sem remorsos, assim que o mensageiro dos anjos se lhes dirigiu. Nem uma ameaça, nem um traço de persuasão se revelou necessário. Descartaram-se de mim com um simples “Levai-o. Não nos pertence.” e retomaram a sua rotina sem um último pensamento para mim, para o destino a que me condenavam.
E agora estou aqui, no limiar da condenação eterna, e vejo tudo o que sou e tudo o que me julgava. Condenado por orgulho, deixara a minha missão porque sonhara ser um contador de histórias e descurara os meus superiores por estar demasiado centrado na minha própria existência. E, por breves momentos, encontrara no mundo dos mortais a realização do meu sonho, a sublime cintilação dos olhos que me fitavam enquanto eu lhes narrava as múltiplas viagens que me brotavam da imaginação. Claro que eles não sabiam que o reino que me exilara era o dos céus, que a minha nobreza era a das potestades e que eu só via o meu rei como tirano porque me julgava capaz de criar mundos para além do mundo, mas que esse sonho me era constantemente negado.
Como poderia eu saber que o meu senhor não queria senão poupar a minha pobre esperança? Como, se era tão cego que não via que aquele estranho brilho não era pela magnificência das minhas criações, mas apenas porque as julgavam verdadeiras? Não, eu não via que criara uma mentira. Não via que era, afinal, apenas mais um miserável que se julgava merecedor de louvores em terra de ninguém…
Na verdade, não interessa. Fui devolvido ao vazio de onde nasci, ao nada que me constitui e de onde nunca deveria ter saído. A memória, contudo, permanece no éter das minhas partículas fragmentadas, a sombra daquele sonho que, por momentos, foi tudo o que guiou os meus passos. E, nesta hora eternamente repetida, só queria que essa sombra desaparecesse, desfeita em pó como a pedra onde repousam os meus ossos. Queria ser de cinza, como os restos que divagam no vento e que, um dia, foram a débil cabana que me atribuíram na cidadela dos mágicos. E queria fechar os olhos invisíveis que, como relâmpagos rasgando o vácuo, me mostram constantes imagens daquilo que sou… Ninguém perdido no nada, querendo apenas desaparecer.

Friday, July 31, 2009

Sinfonia para Orquestras Destroçadas

Fúnebres gemidos de violino amordaçado
De arco traçado em cruz
Sobre o silêncio difuso dos gritos irracionais,
Do manto que rasga os céus na conflagração da orquestra
Onde o coro dos malditos
Entoa a demoníaca ópera da hecatombe.

Trompas de guerra invadem a garganta das árvores
Ao compasso do ribombar da tempestade,
Bailando entre fantasias de um relâmpago confuso
Tecendo labirintos na negrura do papiro
Onde o criador arquitecta os sussurros da discórdia.

Soluçar de marés lançadas contra a coluna do suplício
Onde repousam os esqueletos fustigados
Do corpo que se dispersa entre as ruínas do navio,
Compondo nas mãos que convulsionam sobre o leme,
Dedos de fumo dispersos na rubra aurora,
O feérico canto das muralhas destroçadas
Ao som da sinfonia crepuscular.

Tuesday, July 28, 2009

Quinteto de Neve

1.

Ela chorava sobre as pedras da renúncia,
Como um silêncio em cor de alvura e de ilusão,
E tinha olhos de gelo, como pingentes na manhã
Que nascia da penumbra de um céu velado de cinza.
Tinha olhos de sinfonia na mais negra aurora dos séculos,
De vinte e dois de Dezembro sobre a janela da neve,
Quando o templo proclamava orações na sua pele
E eras de renascimento para o Natal dos exilados.

Ela dormia nos braços de um espantalho embranquecido
Como quem chora nas trevas de os corvos partiram
E era neve sobre as arcadas da catedral solitária
Na convulsão do silêncio que era o lago sepultado
No silêncio desenhado sob as horas do seu corpo,
A alvura da eternidade cantando a uma só voz.

2.

Olha para trás.
Eu sou o silêncio das brumas por onde olhas e não vês,
A neve que cobre a terra virgem de onde nasceste
E onde adormeceste nos braços da hecatombe.
Sou a morada da tua derivação inversa,
A dispersão dos teus olhos que se fundiram na chuva
Para chorar dentro de mim
E morrer na natureza do raio primordial.

Não fujas mais.
Eu estou no abismo do silêncio onde te precipitas,
Empurrado pelo sopro da tempestade invernal,
Como um berço capaz de embalar o furacão dos séculos,
A acção que se prende no desabafo da tua voz,
O teu sussurro de Fevereiro morto
No desalento de um barco ancorado no gelo eterno.

3.

O tempo morreu
E as asas da esfera celeste desfaleceram na cruz
Como um sussurro de Inverno por terras de deserdados,
Exílio de eterna neve.
Traz o silêncio pingentes no rosto azul
Das memórias afogadas no ribeiro do vazio
E a noite dorme nos ecos da penumbra boreal
Onde o sangue das horas silenciadas
Derrama sobre a memória o reverso de outras horas.

A noite fugiu
E o sol apagou-se entre eclipses de névoa e de lua,
Ardente fantasma exilado nos braços da noite eterna,
Estátua de desolação
Aberta ao voo das harpias dormentes no amanhecer
De uma espada denegrida sob os ecos de ninguém.

4.

Se eu fosse a neve que cobre o teu corpo
E embala as tuas asas entorpecidas no silêncio sepulcral,
A catedral que te acolhe como cripta consagrada
No Inverno das memórias eternamente desfalecidas…
Se eu te pudesse cantar o sopro da imortalidade
Na eternidade que agoniza no grito dos moribundos
E abrir à torrente das chuvas a quimera do teu corpo
Para te lavar das entranhas o sangue que derramei…

Ah! Se eu fosse a miragem que se esconde no deserto
Da brancura que reflecte os abismos do teu olhar,
E a quimera que contempla a esfinge do labirinto
Onde nenhum sacramento poderia renascer…
Se eu fosse o raio divino na prole dos ressuscitados
E a cruz do sangue que dorme na solidão das montanhas
Onde o Inverno se prende ao desafio da tua voz…

Onde estaria, então, a redenção da tua imagem,
A estátua do teu exílio plantada na suave lápide
Que é branca como o nada do infinito
E cega como nós?

5.

Eu vou voar no segredo da quimera ausente
E ser tempestade no abismo da chuva que cai,
Lavar as lágrimas que sangraram o rosto do pesadelo
E espalhar a catarse sobre os corpos da morte eterna.
Serei a cruz da mão que morde o desalento
E a neve que embala o berço dos anjos adormecidos,
A maré do sol eternamente adormecido sob a bruma
E a razão do amanhecer no crepúsculo imortal.

Eu vou erguer no ventre a catedral do eclipse
E dar às trevas a prole da resignação
Como braços de árvores nuas no Natal dos condenados
Estendidos ao além do céu que se nega ao nada.
E então serei a justiça liberta dos desertos,
O secreto Inverno de cada apocalipse
Erguido no chamamento de todos os cavaleiros
E renascido na solitária estrada do peregrino
Que se esgota sobre a neve dos vencidos
E morre no vazio dentro de mim.

Saturday, June 20, 2009

Falso Nirvana

Um canto
No canto dos ecos elevados para lá da imensidade,
Concretização de esferas entretecidas
Nos contornos da mandala de um nó primordial.

Um grito nos lábios ressequidos do corpo vacilante
Abandonado sobre o palco
Como um sussurro plantado na voz fantasmal
Da feérica sinfonia dos espectros
Embalados por dentro do rosto da actriz desfalecida.

Um trovejar de lágrimas
Que chovem em tempestade sobre o decair dos fantasmas,
Como êxtase petrificado na contemplação do absurdo,
Miragem inefável
Que se espelha nos braços da quimera crucificada
E adormece à luz de um archote.

Um sorriso…
E a noite desfalece em pétalas apodrecidas
Por dentro da lâmina cravada na alma do punhal,
Sobre o altar das cinzas que mancham o pecado
Com a sombra da canção
Plantada, rebelde, por dentro dos olhos da bruma
Errante pelo fogo que antecede a aurora.

Saturday, May 23, 2009

Thursday, May 14, 2009

E Morreram Felizes para Sempre (Excerto)


Está quase, quase a chegar. E, enquanto não há mais notícias, deixo aqui um excerto de um dos contos que compõem o livro: A Casa.


"Diziam que não vivia senão do ódio que lhe pulsava nas veias, intenso como o vermelho do sangue que lhe percorria o corpo. Muitos dos que se atravessavam no seu caminho desviavam-se apressadamente, como se do próprio anticristo se tratasse, como se encontrar as trevas impenetráveis que habitavam o seu olhar fosse, por si só, uma temível maldição.
Tinha, por isso, a rua completamente por si, de cada vez que se via forçado a afastar-se da sua casa para satisfazer uma qualquer necessidade. Era assustador ver como as portas se fechavam e as cortinas eram corridas ao mais pequeno sinal da sua passagem, como se se tratasse um monstro que percorria as ruas em busca da sua vítima.
Diziam que todos os demónios do Inferno se curvavam perante a sua presença, que, do interior da antiga e semi-arruinada mansão que habitava, brotavam, durante a noite, gritos capazes de fazer gelar o coração mais insensível, rasgando o monótono entoar de cânticos que invadiam os céus com os seus medonhos rituais.
Mas quem era ele, afinal? O estranho vulto vestido de negro, com um aspecto quase clerical, mas com um rosto demasiado rígido para ser benigno… De onde viera? Tudo o que sabiam a seu respeito era que chegara à velha mansão pouco mais de um mês antes e que a reclamara como posse sua. O restante resultava dos rumores espalhados pela população.
Quantos saberiam, contudo, que sombras o perseguiam, de onde vinham os verdadeiros demónios que o atormentavam? Viam-no, desconhecido, exilado no silêncio fechado que escolhera para habitar e, por isso, julgavam-no malévolo. Viam nas suas vestes negras a marca do derradeiro mal, ao invés do luto cerrado com que escolhera marcar a sua vida. Que sabiam eles de si, afinal? Não sabiam nada!A verdade, contudo, aquela distante verdade que o povo daquela aldeia recôndita se recusava sequer a imaginar, é que era de si próprio que aquele homem fugia, do passado que o marcara com o estigma da impureza, ainda que nada tivesse feito para o merecer, e que o perseguira até ali, de regresso ao local onde tudo começara."

Saturday, May 09, 2009

Casa de Memórias

Como um livro de sonhos destroçados
Composto nas insígnias da traição,
A minha casa é voz de escuridão
Por entre silêncios amordaçados.

Negros fantasmas de tempos passados
Assombram a alma do meu coração
E, onde a magia se faz solidão,
Ganham vida os dias abandonados.

Como uma sombra perdida na história,
Minha casa é de sonho e de memória,
Soturna essência de ilusões sem cor.

E apenas no silêncio que senti
Se prendem os sonhos que descobri
Por entre as negras memórias da dor.

Monday, May 04, 2009

Pluralidade

Murmura no meu sangue a princesa de olhos de corvo,
Negra como a noite que adormece o sono eterno
E baila sobre as cinzas do túmulo de ninguém,
Mas também a terna rainha do amanhecer
Estende os meus braços à luz que atravessa o dia
E renasce aurora no orvalho de uma flor.
Tenho na voz a revolta da tempestade,
O murmúrio dos ventos que revolvem as areias do deserto
E a chuva que fustiga as velas das velhas naus,
Mas também o dócil calor de um sol adormecido
Na calma outonal dos dias que movem a procissão dos corpos.
Sou profetisa de todo um destino clarividente
E cega justiça derrubada num mundo de iniquidade,
E, sendo pó de estrelas na multiplicidade de mim,
Sou o nada oculto sob os excertos de um todo.

Sunday, April 26, 2009

E Morreram Felizes para Sempre - booktrailer



Já está no site da editora ( www.hmeditora.com ) a capa do meu novo livro. Brevemente estará disponível para aquisição. E enquanto não surgem mais novidades, deixo-vos aqui uma pequena apresentação do livro. Não é nada de profissional, mas espero que sirva para despertar a curiosidade.

Friday, April 24, 2009

E Morreram Felizes para Sempre (brevemente)

Não, meus caros. Desta vez não é fantasia. Esse ainda está à espera que chegue a sua hora. Mas este que tendes diante dos vossos olhos é o meu novo livro, a poucas semanas do seu nascimento, graças ao trabalho da HM editora. Não tenho muitas informações para vos dar, ainda. Apenas esta capa, que adoro, e uma síntese muito básica do que tratam estas páginas. É um conjunto de oito contos, oito olhares contemplando os mais secretos meandros da vida real. São histórias de vida e de morte, de tormento e de sombra, de todos os sentimentos muitas vezes ocultos sob um olhar indiferente.
E para já é isto. Mais informações (e, quem sabe, imagens) ficam prometidas para dentro de poucos dias... Para qualquer coisinha, podem sempre contactar-me. (carianmoonlight@gmail.com)
Saudações...
Carla Ribeiro

Friday, April 17, 2009

Travessia

Não sabes de onde vim,
Nem como sinto as trevas dilaceradas do teu corpo sobre mim.
Não entendes a vaga indiscrição
Que se mistura no labirinto dos meus sentidos,
Como suave torpor de ausências solitárias
Que se prendessem no eco da minha devastação.
Não me conheces,
Mas pareces ver para lá dos recessos da minha noite,
Invadindo as pontes da minha miragem secreta
E em sangue trespassando todos os meus labirintos
Num derramar de essências desperdiçadas sobre o abismo.
Nunca me viste,
Nem mesmo conseguiste encontrar a minha presença nos passos da noite
Que me envolvia em divagações sinistradas
De espectral fenecer,
Mas invadiste todas as eras do meu caminho cerrado
E derrubaste as muralhas da minha solidão
Com a imensidade do teu infinito de luz.

Friday, April 03, 2009

Cântico

Talvez nem fosse eu
A melodia que o mundo dispersava
Nos cânticos da noite em meu redor.
Talvez…
Não sei.
Talvez chamasse o amor
Aquela sombra que em mim se entranhava
Como ilusão de espectral entidade.
Não sei se era silêncio fugitivo
Ou furtiva tristeza
O que assombrava
O contorno dos meus olhos cansados,
Espelho de mágoa
Onde se repetiam mil passados,
Mas nada se criava.
Talvez nem fosse meu
O lamento
Que pairava na estrada do destino,
Que me prendia aos fantasmas do fim.
Talvez eu fosse apenas o que sou,
Talvez sonho que nunca terminou,
Talvez a morte a florescer em mim.

Monday, March 30, 2009

Confidencial

Dorme uma mão sobre o fogo,
Selando os lábios que sussurram nas sendas do castelo,
Como um grito amordaçado.
Paira um sopro nas asas da tempestade,
Como um corpo crucificado no crepúsculo esmorecido
Da manhã divinizada.
Espelha-se no segredo a confidência do absoluto
Cantando gritos na aurora do infinito
Onde se espraia o amplexo da gaivota mutilada
Pelo fúnebre enlace da corda que pinta os momentos
Na esmorecida miragem de um labirinto deserto.

Dorme um anjo sobre a areia…

Friday, March 13, 2009

Apresentações do livro "Dualidades"

No dia 7 de Abril... Estão todos convidados a aparecer!

Friday, March 06, 2009

Deixa-me Desistir de Ti

Deixa-me desistir de ti
Como num encontro repetido entre penas de mil eras
E traçado em véus de fumos mutilados,
Para esquecer que te dei a alma de todos os meus sonhos
E a força de toda a vontade
Na concretização de uma visão que mão me pertencia.

Será o silêncio a minha promessa,
O vazio como futuro
De quem deixou as asas rasgadas no chão,
E apenas a noite alcançará a minha voz amordaçada
Nos primórdios do poema.

Não sou ninguém…
Nada mais que o pálido reflexo de um espelho estilhaçado,
Um grito no amanhecer
E as lanças dos meus dedos estendem o sangue da derrota
Que estrangula o meu olhar.

Deixa-me, pois, morder as cinzas que ensombram os meus lábios
E morrer dentro da cruz,
Como um corvo em voo de hecatombe
Rasgando os céus da última alvorada,
Um sonho aberto à lâmina dos deserdados,
Um cântico na morte…

Para que vejas a renúncia que floresce nos meus olhos
E me deixes desistir
De mim.

Thursday, March 05, 2009

Renascendo do Caos

No sangue da borboleta florescendo em voz de Fénix
Plantada a luz na pele do anjo moribundo
Desabrocha o labirinto das quimeras enegrecidas
Onde, tímida, repousa a esfinge de asas de corvo.

Com olhos fixando o norte onde se despoletam as luzes,
Brotam das estrelas os fios da seda e do âmbar,
Como amplexos de aranha cega que tacteia obscuridades
Em busca de um olhar perdido nas jóias do infinito
Onde o absurdo cravou a sua sepultura.

Como uma noite de estacas descendo sobre a neblina
Como rubros relâmpagos que brotassem dos dedos do absoluto,
Floresce nos céus o renascimento de todos os enigmas,
Traçando a sul o rasto das antigas caravanas
Que pulsam no sangue dos esqueletos exilados.

E quebra-se a abóbada da catedral abandonada
Ao fúnebre abraço dos ossos do crepúsculo.

Sunday, March 01, 2009

Alterwords 2

Saudações, estimados visitantes que por aqui passais. Permiti que vos apresente o projecto de que orgulhosamente faço parte. A Alterwords é uma revista literária online, com direcção de Bruno Pereira e coordenação desta vossa humilde anfitriã, e pretende divulgar os novos valores literários e não só do nosso pequeno país. Para mais informações e download da revista, visitem-nos em www.freewebs.com/alterwords ou mandem-nos um e-mail para alterwords@gmail.com. (ou para mim, carianmoonlight@gmail.com)


Sunday, February 22, 2009

Se o Tempo Voltasse...

Se a voz do meu silêncio se apagasse
Nas tempestades da devastação,
Talvez o meu deserto não sangrasse
Por dentro das brumas da solidão.

Se o tempo voltasse à voz da razão,
Talvez a minha luz regenerasse
As trevas que plantei no coração,
Como se de um sepulcro se tratasse.

Se o destino dos momentos confusos
Me abrisse a voz dos silêncios difusos
Que pairam nas sombras do meu sonhar,

Talvez eu me apagasse no deserto
E as cinzas do meu espírito desperto
Pudessem, finalmente, regressar.

Saturday, February 14, 2009

Uma Palavra na Bruma

Anda um grito nos espelhos do silêncio adormecido,
Como um corvo solitário nas profecias da aurora,
Cantando encantos perdidos no desencanto disperso
De um crepúsculo apagado sob as vozes da ilusão.

Cantam as trevas perdidas como um poema ancestral
Nos recessos destruídos do abismo que embala a ponte
Sob a agitação dos ventos que se arrastam sob a teia
De uma aranha de sudários plantados na infinidade.

E há um olhar desvanecido nas asas do altar do absurdo,
Uma palavra perdida nos nevoeiros da essência,
Lamento que grita às cinzas do corvo da morte humana
Renascida em febril Fénix no rosto do amanhecer.

Tuesday, February 10, 2009

Olimpo Derrubado

Quebraram-se as pilastras que sustentavam a montanha sagrada
E os olhos do Sol sangraram no barco de Ísis,
Como um lamento de fogo sobre um rosto mutilado.
Na noite da chuva eterna, desceu dos deuses a lama
Que, na negrura do divino sangue, plantou a noite suprema
Sobre os céus do eclipse.

Desvaneceu-se na aurora da humanidade a destruição do absoluto
E o infinito pereceu nos ribeiros do esquecimento,
Como vaga de além-vida sustentada sobre o fogo
E adormecida no espelho de um fortuito amanhecer.

Monday, January 26, 2009

Mordaça

Não quero mais escrever
Palavras que imponham ao mundo o silêncio dos meus braços
Nem deixar no eco as chamas do paraíso invertido
Que plantei dentro de mim.
Não quero voltar a olhar por dentro das miragens
Para encontrar nos olhos do abismo as asas da desilusão
Que me mutilou a voz
E adormeceu nos destroços do meu túmulo menor.
Não quero mais plantar no meu corpo as cicatrizes do deserto,
As mãos que me despertam a mordaça do destino
E estrangulam o meu grito no silêncio dos esquecidos
Que apenas em sonhos voam como asas na escuridão.

Serei talvez o contraponto da minha fuga,
Talvez apenas o silêncio de uma sinfonia flagelada
Pelos contratempos do olhar,
Talvez gaivota perdida em fundas covas de corvo,
Esfinge invertida em céus de Fénix morta
Nos cadáveres vencidos de uma batalha sem espaço,
De um sonho sem lar.

Não quero, mesmo assim, cantar nas pautas da miragem
A minha elegia de céu
Para chorar apenas gritos no soluçar dos primórdios
Do adeus que escolheu o meu silêncio.
Não quero mais morrer em braços de cruz magoada
E abrir nas chagas de um verso o desalento dos caídos,
Pois não sou senão uma lágrima banhando os lábios do anjo
Que canta por dentro da morte
E morre também.

Thursday, January 22, 2009

Mísera Voz

Perdida entre os vencidos desta vida,
Entre as sombras da morte abandonada,
Grita, memória da esperança quebrada,
Mísera voz aos céus em pranto erguida.

Chora a mágoa da tua alma destruída
E a solidão em que foste deixada,
Recordação de uma luz apagada
Nos negros confins da noite perdida.

Na sombra de um silêncio tenebroso,
Deixa quebrar teu nada doloroso
E grita aos deuses a tua agonia.

Talvez a tua mágoa negra, ausente,
Abra as portas do seu céu indiferente
À miséria da tua vida vazia…

Friday, January 09, 2009

Fragmentos de Sombra

Salvé, caríssimos visitantes.

Aqui estou eu, mais uma vez, para vos apresentar um novo livro electrónico.

Chama-se Fragmentos de Sombra e pode ser lido aqui: http://neolivros.com/index.php?/neo/categorias/conto/fragmentos_de_sombra

Para despertar a curiosidade, fica uma pequena sinopse:

Imagine-se uma alma dispersa por entre todas as sombras do obscuro, afastada de todos os sonhos e de todo o alento que ilumina a vida. Que pensamentos vagueariam por essa mente desolada?
Que emoções cantariam ao seu coração? "Fragmentos de Sombra" é um conjunto de reflexões e desabafos, plantados entre o limite da ficção e a realidade de momentos que, com mais ou menos força, todos encontramos ao longo da estrada que é a vida. Por vezes uma gótica melancolia, seguida então de uma vaga ilusão de esperança, este é o caminho para o abismo, a estrada interminável de todos aqueles que caem em cada crepúsculo... para renascer na luz de uma nova aurora.

Thursday, January 08, 2009

Rosa Nocturna

Floresce por dentro da imensidade
Como um sorriso plantado nos olhos do infinito
E revolvido em lágrimas de sangue.

Dorme na minha pele a voz de um grito,
O cântico do abismo adormecido na voz
Da rosa que desfalece por dentro do meu peito.

Fenece no silêncio de um soturno torpor,
Fúnebre pedra tumular de espelhos
Repousando sobre a putrefacção dos séculos…