Wednesday, September 30, 2009

Clausura

I.

Um tecido que rasga a voz na pele do inverso
Pendente da escuridão
Onde a mão tacteia o verso que sublima a potestade.
Dedos que buscam cavernas nas paredes da prisão,
Da sulfurosa clausura de Invernos que se entretecem
Mais além que o tempo rasgado sob o tecto dos abismos,
Mais longe que todos os céus
Do infinito fragmentado na esfinge dos oceanos.

Um véu tocando os desertos com lábios de espuma,
Segredos que se dilatam no sussurro das sereias,
E uns olhos perdidos nas ameias da torre escarlate,
Lanternas de prisioneira fitando véus de quimera
Como quem sacia o fogo na sede do despertar.

Um grito que mancha as mãos do absurdo desvanecido
Onde o estandarte rasgado agita espectros no ar
E uma gota de rubor nas entranhas do silêncio
Que dorme nos campos da peste
Como um hino de falésias dissipadas sob a sombra
Do vácuo disseminado na epidemia dos céus.

II.

Esta é a mais longa viagem da minha casa.

O templo dorme nos meus dedos como um tempo inacabado
Dançando na névoa que cobre as teclas do meu piano
E há um violino que chora no absurdo dos meus sentidos
Como um quimérico soluço do absurdo que morre em mim.

A noite que me contempla da estátua perdida
Onde morri sem saber…

No alto, a cruz dos condenados contempla as chagas do abismo
Que o vácuo gravou no meu corpo,
Catedral do fatídico desvanecimento
Que flutua como uma voz na mente da fantasia,
Fantasmagoria de ecos plantados sob a miragem
Que chove sobre as janelas do meu lar apodrecido.

A ruína que se desvanece
Na podridão que profana os véus do meu coração morto.

E eu sou,
Eu sei o segredo dos silêncios que anunciam a mensagem
E a treva dilata os corpos que se agitam no meu sangue
Em exaltação ao cálice da loucura inexorável
E à consagração da morte imortal.

Janelas que fustigam o silêncio das minhas horas,
Pêndulos de escuridão.

III.

São grades sobre o seu corpo,
Tecidos de rede envolvendo o tule da janela azul
E a pedra que lhe embala a pele é o berço do exílio
Acolhendo o toque do abandono em braços de sangue e veludo.

Céus negros contemplam o espectro da luz invisível
Que irradia dos seus olhos cegos
E não há deuses que observem a convulsão do seu peito,
A agitação que se prende na turbulência do absurdo
Que lhe contempla a loucura entre miragens sem razão.

São mãos que tacteiam os ferros da antiga corrente,
A ligação da clausura que se eterniza entre cores e sons
Como palavras apagadas na trindade sublimada
Da mente que se dispersa na loucura inconsciente,
O coração que se debate na jaula da escuridão
E alma que bate as asas contra as paredes do vácuo.

E apenas o sussurro do nevoeiro
Atravessa os pétreos silêncios da consagração suprema
Fitando como quem chora nos aguaceiros do tempo
A redenção do último prisioneiro.

IV.

Se me levasses
Três vezes mais longe que o tempo por dentro da tua voz
E me cantasses com véus de renúncia
Nas profundezas do ser
Eu ia
Dormir nos confins da tua prisão submersa
E encaixar na pele da pedra adormecida
A relação dos corpos derramados no silêncio de nós.

Se me encontrasses no menir dos deserdados
Como numa palavra destruída na contemplação do absurdo
Eu abriria as portas do precipício
À entrada do teu corpo
Aberto no secreto véu de mil e seiscentos esplendores.

Ah! Se eu tocasse
As pétalas da tua flor de espanto e de rejeição
Como uma suave maré no sangue do imaginário…
Então serias a redenção das minhas horas
E o dobre de completas no teu rosto
Prenderia os meus olhos ao sussurro do teu nome.

V.

Prendem-se os braços do encanto
No silêncio da catedral ensoberbecida
E os sinos dobram pelo anjo derramado
Sobre as pedras do funeral.
Ao longe, o deserto sopra nas arcadas do horizonte
E o cântico dos eleitos jorra sangue nas montanhas
Onde a neve dorme, inversa,
Nos versos das odes primordiais.

Além da noite, divaga
O peregrino das esferas fugitivas,
Carregando sobre os ombros a lápide da prisão,
E o azul dilata as horas da estrela desaparecida,
A que morre no seu corpo atormentado
Sem saber que se adormece
Nos braços da sua própria solidão.

VI.

Aquela voz que se calou
Na mordaça perturbada de uma prisão invisível
Onde os corvos agitam a lenda do inalcançável
Era um telhado disperso sobre as marés do impossível,
Um cântico derramado no sangue do inexistente
E um abismo que se elevasse aos cumes dos ancestrais.

Era um deserto sem estrada,
Um nada que replicasse a sua própria concepção
E adormecesse nas trevas de uma aurora fugitiva
Ao crepúsculo dos véus inacabados,
Mas a terra destilava venenos inconcebíveis
Na barreira do inefável sepultado sem saber,
Como quem pinta a dourado a negrura dos abismos
Elevando catedrais na morte do próprio ser.

Thursday, September 03, 2009

Sobre um corpo adormecido

Era apenas mais uma lágrima, como tantas outras que deixara tombar sobre os lençóis que a envolviam. Via-o dormir a seu lado, silencioso no descanso do seu sono, mas sabia que, enquanto partilhasse a sua cama, nunca teria paz no seu coração.
Fitava-o com olhos apaixonados, o espelho de um coração que nunca conheceu amor mais forte que aquele que agora a consumia no seu fogo. E sabia que, se fingisse que nada acontecera, continuaria a senti-lo ali, do seu lado, numa fantasmagoria para a relação que quebrara para além de toda a redenção. Uma relação que, talvez, nunca existira verdadeiramente…
Conhecera-o na aurora da sua juventude e amara-o com todas as suas forças. Dera-lhe o seu corpo imaculado e a pura ingenuidade da sua alma e a vida unira-os como um só durante cinco gloriosos anos.
Mas, depois do apogeu, sempre chega o declínio, e não tardou muito até que o seu idílio de amor se revelasse como um ninho de mentiras e de traições. Confrontara-o com a verdade, mas ele começara por negar e, depois, por professar arrependimento. E, na sua inocência de mulher eternamente apaixonada, ela perdoara-o, apenas para descobrir que, passado pouco tempo, a história se repetia. Uma outra mentira, uma outra mulher, ou talvez a mesma… Mas, ainda assim, o seu coração ferido acreditara nas suas súplicas por perdão e voltara a perdoar, uma, outra e outra vez.
Naquela noite, contudo, ela compreendera, finalmente, que ele nunca mudaria. Vira-o, ainda que ele nunca o viesse a saber, lado a lado com a outra mulher, passeando uma criança pela mão. Ele tinha um filho da outra, algo que ela nunca lhe pudera dar. Como poderia, pois, esperar que ele voltasse a ser só seu?
Não o confrontou com a verdade. Limitou-se a acolhê-lo nos seus ternos braços de mulher devastada e a oferecer-lhe o seu amor e o seu corpo ainda uma outra vez. Agora, contudo, enquanto o via adormecido, ela sabia que a sua decisão estava, finalmente, tomada. Permanecer com ele seria condenar a pouca dignidade que lhe restava e profanar o débil amor que lhe pulsava ainda no peito.
Levantou-se, suavemente, tendo o cuidado de não o despertar. Depois, em silêncio, vestiu-se e deixou o quarto, levando consigo a mala que deixara já preparada durante o dia. Não deixou explicações ou indicações da sua partida. Ele compreenderia os seus motivos. Limitou-se a fechar a porta atrás de si e a sair para a fria noite de Inverno.
Quando chegou ao carro, já não havia lágrimas nos seus olhos. O passo fatal fora dado e não havia regresso atrás. Sentou-se no banco e, por um momento, fechou os olhos, acalmando o que restava das suas emoções. Em seguida, readquirindo o controlo sobre si própria, ligou o carro, engatou a primeira e arrancou, deixando que o rádio desse voz ao que gritava nos seus pensamentos.
“I will always love you.”

Wednesday, September 02, 2009

Máscara

O que se esconde atrás dos teus olhos?
Algures dentro de ti,
Onde o frio se transforma em agonia
E a indiferença se torna solidão,
Um etéreo fio de sombra
Separa a máscara da realidade.
Mas quem és tu, na verdade?
Que fantasmas se escondem no teu olhar?
Quanta dor se esconde no teu desprezo?
Quanta mágoa no teu desprendimento?
Quanto de ti prendeste na tua alma?
Dentro de ti,
Onde o silêncio se torna vazio
E a solidão se transforma em tortura,
Eu vou entrar no teu lugar secreto
E, através da tua ausente amargura,
Vou quebrar a tua máscara vazia,
Salvar-te dos teus próprios demónios
E ver quem verdadeiramente és.