Friday, December 02, 2011

Bruma Incandescente

Trepidação,
Consagração que se agita nas asas da turbulência
Qual maré por sobre o absurdo,
Oração que se dilata como as brasas sob o altar
Onde os véus se entretecem
Como cânticos de meditação num pedestal.

Um véu que distende a bruma
E a estátua contempla o inverso das mãos erguidas
No opúsculo da escuridão,
Crepúsculo eternizado entre harmonias quebradas
No rubor de uma fogueira erguida aos céus
Moribundos.

A mão de um deus,
O adeus da maré vermelha em comunhão com as trevas
E o nome do desejado,
A designação plantada nos olhos do absoluto
Como um caule vulnerável
Onde a luz das chamas traçasse a dança do renascimento.

E o fim,
A morte da manhã dispersa no manto das cinzas,
Génese consagrada no grito do apocalipse
Que proclama a redenção,
Eclipse de olhos distantes no escarlate da memória
Que apaga o nome das lendas
E morre
Como um raio de azul rasgando a escuridão.

Tuesday, November 29, 2011

Insubordinada

Chamaram-me rebelião
E elevaram-me ao trono das divindades decadentes,
Coroada com uma tiara de rosários
E vestida com a praia que dormia sob o deserto.
Sentaram-me perante os olhos de uma corte enlouquecida,
Demónios com dedos de aranha e olhos de tigre,
Espectrais entidades nascidas de moradas tumulares
E cinzas de martirizados presentes em efígie.
Todos eles contemplando o vácuo dos meus olhos nus,
Expostos em desafio
Aos primórdios da lei onde se moldou a sua voz.

Murmuram
Como legiões destroçadas sob a profecia do tempo,
Marés derrubadas no templo de uma corte fatal.
E, no ruído dos que se calam, todos eles sabem,
Os vivos, os mortos e os mensageiros da morte,
Que eu sou a mórbida semente que rasga os exércitos
E o meu nome é sedição.

Nasce-me na pele um sorriso,
Esgar plantado na poeira de um nascimento estrangulado,
Disperso como mordaça no fel dos meus cortesãos.
E eis que novamente se abre a cruz dentro do meu peito,
Impondo sobre a multidão o manto do silêncio ancestral,
Porque vêm, mas não sabem o que falta
E em todos os meus sacrários me veneram,
Proclamando aos abismos a majestade dos vencidos
No corpo de uma esperança que é rebelde
Por não ter coração.

Friday, May 20, 2011

Flor de Fogo

Vem arder por dentro do silêncio
Que desfalece em cada pétala de cinza
Como uma gaivota rasgando a contemplação do adeus.
Nos céus
Encontra o berço da quimera,
A brisa que se agita nos teus braços de espantalho,
Mas não afasta os corvos que te consomem a carne.

Como uma brisa
Perdida no vazio de uma meia-noite mistificada,
Divinizada no Éden dos exilados
Que contemplam a cruz por dentro da miragem,
Um espectro que divaga entre túmulos vazios,
No frio das eras agitadas pelo vento,
Espectrais
Na dança das chamas que lambem a ferida aberta
No coração dos séculos.

Vem ver a ruína que desaba sobre os corpos
Consumidos na cinza da despedida primordial
E apagados por entre os fumos do inominável.
Por terra,
Descobre-te no vácuo do absoluto que se renega
Em flores de sangue e de morte
E espalha no silêncio a voz dos supliciados
Onde o deserto ensina a morrer.

Saturday, March 19, 2011

Força

Tens de ser forte, dizem eles. Tens de lutar. E tu sabes que a luta não passa de uma farsa, de uma patética ilusão de esperança, que, mais dia menos dia, voltará a quebrar e a partir-te com ela. No fundo, é apenas para isso que serve alimentar expectativas. Para que, quando te encontras mergulhado na mais profunda miséria, possas ainda ousar vislumbrar uma saída. E para que, quando também essa porta fechar, te encontres ainda um nível mais abaixo que o fosso onde julgavas ter tombado.
Mas há um mundo por perto. E, à tua volta, em toda a parte, há pessoas que conheces, a quem te ligaste. Pessoas, talvez, que precisam de ti. Que nem sequer sabem que é por eles que vives, que persistes, que te manténs agonizante, mas vivo, para que eles saibam que ainda estás por perto. Que sempre estarás.
Mil vezes te dirão que tens de ser forte por eles. E por eles o farás. Mas que paladino virá em tua defesa, para ser forte por ti quando for a tua vez de quebrar? Quem virá para suportar nos braços o teu colapso, para confortar a angústia que tu sabes que nunca cessará? Quem, enfim, poderá ficar contigo, quando todos os caminhos conduzirem a um abismo ainda mais profundo?
Ninguém, claro. E tu sabes. Mas persistes, ainda assim. Mesmo enquanto, por cada voz que apela à tua força, há algo em ti que responde “Porquê?”. E o porquê é também um sentido que não alcanças, uma presença que raramente atinges… Mas algo que, no silêncio do teu mundo sem refúgio, não deixa de ser a única certeza. Tens de ser forte, sim, até que quebres.
Porque eles são, para sempre, a tua vida.